sábado, 20 de novembro de 2010

Nota do Autor - O homem duplo

Este é um romance sobre algumas pessoas que foram punidas excessivamente pelo que fizeram. Elas queriam se divertir, mas eram como crianças brincando na rua; podiam ver uma depois da outra sendo mortas – atropeladas, mutiladas, destruídas -, mas continuavam a brincar de qualquer forma. Nós realmente fomos todos felizes por algum tempo, sentados sem trabalhar, só dizendo besteira e brincando, mas foi por uma época curta e terrível e depois o castigo foi inacreditável: por exemplo, enquanto eu estava escrevendo este livro, soube que a pessoa na qual é baseada a personagem Jerry fabin se matou. Meu amigo, em que baseei a personagem Ernie Luckman, morreu antes que eu começasse o romance. Por algum tempo, eu mesmo fui uma dessas crianças que brincavam na rua; como o resto delas, tentei brincar, em vez de crescer, e fui punido. Estou na lista daqueles a quem este romance é dedicado, e que se tornou de cada um deles.

O abuso de drogas não é uma doença; é uma decisão, como a decisão de sair da frente de um carro em movimento. Não chamaria isso de doença, mas de um erro de julgamento. Quando um monte de pessoas começa a fazer isso, é um erro social, um estilo de vida. Nesse estilo de vida em particular, o lema é “seja feliz agora porque amanha você vai morrer”, mas a morte começa quase ao mesmo tempo e a felicidade é uma lembrança. Ele é, então, só uma aceleração, uma intensificação da existência humana comum. Não é diferente de seu estilo de vida, é apenas mais rápido. Acontece em dias, semanas ou meses, em vez de anos. “Pegue o dinheiro e deixe o credito continuar”, como disse Villon em 1460. Mas esse é um erro se o dinheiro é uma moedinha e o credito, toda vida.

Não há moral neste romance, ele não é burguês, ele não diz que eles estavam errados em brincar quando deviam estar trabalhando; só conta quais foram as conseqüências. No teatro grego, eles estavam começando, como sociedade, a descobrir a ciência, que significa lei casual. Aqui, neste romance, há Nêmese: não destino, porque qualquer um de nós pode ter escolhido parar de brincar na rua, mas, como narro na parte mais profunda de minha vida e de coração, uma Nêmese pavorosa para aqueles que continuam a brincar. Eu mesmo não sou uma personagem deste romance, sou O romance. E o mesmo para a nossa nação nessa época. Este romance trata de pessoas que conheci pessoalmente. Alguns de nós leram sobre isso nos jornais. Foi esse sentar com nossos amigos e falar besteira enquanto gravávamos fitas, a decisão ruim da década, os anos 60, dentro e fora do establishment. E a natureza foi exigente conosco. Fomos obrigados a parar por coisas pavorosas.

Se houve algum “pecado”, foi o de que essas pessoas queriam continuar a se divertir para sempre e foram castigadas por isso, mas, como eu digo, sinto que, se assim foi, o castigo foi grande demais e prefiro pensar nisso somente de uma forma grega ou moralmente neutra, como mera ciência, como causa e efeito imparcial e determinista. Eu amava todos eles. Aqui esta uma lista, a quem dedico o meu amor:

A Gaylele – falecida
A Ray – falecida
A Francy – psicose permanente
A Kathy – dano cerebral permamente
A Jim – falecido
A Val – dano cerebral maciço permanente
A Nacy – psicose permanente
A Joanne – dano cerebral permanente
A Maren – falecida
A Nick – falecido
A Terry – falecido
A Dennis – falecido
A Phil – dano pancreático permanente
A Sue – dano vascular permanente
A Jerri – psicose permanente e dano vascular

E assim por diante.
In memorian. Esses eram camaradas que eu tive; não existem melhores. Eles continuam em minha mente e o inimigo nunca será perdoado. O “inimigo” foi o erro que cometeram em brincar. Que todos brinquem de novo, de outra forma, e que sejam felizes.

Philip K. Dick.

Um comentário:

Kelly Christi disse...

Oi querido, me desculpe por não estar acompanhando seu blog sireitinho ou falando muito, eu tenho andando um pouco ausente de um modo geral por causa da faculdade, mas enfim...acho que vc já me falou do homem duplo, eu particularmente não conheço, mas vc. se empolgou tanto escrevendo sobre que aguçou uma curiosisdade.rs

beijo