segunda-feira, 27 de outubro de 2008

o Haiti é quase aqui


Carlos trabalhou durante um ano inteiro na companhia de seguros do seu tio, mas só pensava numa coisa durante todo o tempo, na sua viagem para o Haiti. Falava constantemente disso para os colegas de trabalho, chegando a ser ignorado por certos amigos, que não agüentavam mais ouvir disso. Era para Carlos um sonho, aquela maravilhosa ilha caribenha, e sua cultura incrível. Avisavam Carlos sobre os perigos de ir para lá, a constante briga política, os seqüestros de estrangeiros e coisas do gênero mas ele não dava nenhuma bola para isso. Morava em porto alegre, cidade sem praia, só um lago que teimam em chamar de rio, concreto por todos os lados, asfalto, poluição, ônibus lotado, gente aos montes. Ele queria ver uma praia daquelas de filmes, estilo lagoa azul, com água transparente que tu pode ver os pés no fundo do mar, nadar, tomar sol e beber aqueles coquetéis com a sombrinha no copo. Quinze dias tomando sol, sem saber de mais nada. E ate planejou as férias para o inverno, tendo que trabalhar durante todo verão no calor acachapante de porto alegre. Nos dias que antecederam a viagem não se via ele falar de outra coisa alem de Haiti, Haiti, Haiti. Carlos era solteiro, jovem, bem apessoado, ate que era bom de papo, mas cansava as vezes. Então lá se foi ele para a tão sonhada ilha caribenha. Passaram os quinze dias e ele volta, todos perguntam como tinha sido realizar aquele sonho que ele vinha torrando todos a respeito nos últimos meses, mas ele é evasivo desconversa sobre a viagem. Todos estranham, ate seu tio dono da empresa que Carlos trabalhava como seu assessor. Quando convidavam Carlos para esticar para um happy hour ele dizia que não dava, tinha trabalho esperando por ele. Argumentavam e ele insistia que não dava, sem chance. Começaram a desconfiar que havia alguma coisa com ele. Um dia, Eugenio saiu junto com Carlos e o acompanhou no ônibus, foram conversando. O amigo pergunta a Carlos o que estava acontecendo com ele que nunca tinha tempo para nada mais era só de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Carlos então conta o mal que lhe afligia.
- Eugenio, vou te falar o que esta acontecendo. Mas ó bico fechado, não espalha para mais ninguém, viu? Senão...não sei o que pode acontecer.
- Cara, tu ficou branco de repente, o que esta havendo. Tu não matou ninguém, né?
- Matei sim, matei e bem matado!!!
- Bah cara, calma. Como assim matou? Me explica isso direto.
- Na viagem ao Haiti conheci uma neguinha, linda. Linda de morrer. Me apaixonei e casei com ela. E a trouxe para cá. Ela fala um pouco de português, mas misturado com francês e inglês. Mas ela é uma fera, braba como o diabo. E outra é macumbeira. Mexe com este lance de voodoo, manja? Quem eu matei foi meu sossego, não posso fazer mais nada senão tenho que prestar contas a ela. Se chego cinco minutos atrasado ela monta num porco. Quase me bate e jura que se eu trair ela faz um boneco voodoo daqueles e me enche os olhos de agulhinhas. Para não poder olhar outra mulher na vida!
- Bah, cara. Só lamento. Mulher braba é foda. Ó meu ponto, desço aqui, e fica tranqüilo que não falo nada para ninguem. Abraços.
O tempo passou e Carlos só vivia em função do raio da mulher e trabalho. Casa, trabalho, trabalho,casa. Ele ficou um cara serio, com aparência de cansado sempre, nunca estava de bom humor. Chegou em casa um dia e a mulher dele estava de péssimo humor, mais que o normal. Marie Claude, se chamava a moça, Carlos não exagerou a respeito da beleza da moça, uma negra linda, daquelas de desfilar como destaque de carro de escola de samba do rio de janeiro. E quando ele bateu a porta atrás de si ela já veio com raiva ao seu encontro não deu tempo nem de tirar o paletó e muito menos a gravata.
- o que tu andarr fazerrr? Estarrr onde, crapule?
- Calma, Marie, o ônibus atrasou!! Desculpe.
- Pardon, nada. Vou fazerrr uma coisa que tu non vai aimer.
- Já pedi desculpe. Posso jantar?
E Carlos jantou e foi ver televisão na sala, mas a Marie ficou na cozinha sozinha. Carlos grudou o olho na televisão e ficou lá ate meia noite. Acabou dormindo sentado na poltrona da sala, ali mesmo. Marie, que estava uma fera ficou ate tarde trancada na cozinha fazendo alguma coisas. A noite passou, quando o sol raiou na janela Carlos acordou. Abriu os olhos, se espreguiçou. Quando se deu conta, não entendeu direito o que estava havendo. Parecia estar numa gaiola de passarinho. E estava mesmo! Começou a gritar, mas tinha neste momento não mais que 30 centimetros. Ficou gritando a plenos pulmões. Olhou o relógio da parede eram recém sete da manhã. Ate que se sentou num canto da sua gaiola e chorou, chorou e chorou. Tinha um pote com água, estilo o de passarinhos mesmo. Bebeu um pouco de água e chorou mais um pouco. Marie Claude acordou por volta de onze da manhã e nem olhou para a gaiola no meio da sala. Carlos gritou feito doido ao ver a negra linda passar mas ela nem deu bola. Tomou café, depois um banho, pegou o jornal na porta e leu o horóscopo e só então foi ate a gaiolinha que Carlos estava. Chegou perto e disse se esforçando no seu melhor português:
- o que estar havendo contigo, my little?
- Como assim, sua doida? O que tu fez comigo?
- Eu avisar, tu me magoa eu fazer coisas contigo.
- Mas o que foi que eu fiz, sua maluca?
- Eu saber que tu fazer coisas, im not stupid, you know?
- Puta merda, sua maluca...eu vou..
- Agorra ficar bonitinha ai, que eu vai sair...
- Mas...
E Maria Claude foi para o quarto, pôs um vestido branco penteou os cabelos e saiu porta afora, deixando o coitado do Carlos miniatura gritando feito doido, enlouquecido dentro da gaiola. Pelo menos ela fez o favor de ligar a televisão para ele passar o tempo. Ela volta três e pouco da tarde. Ele esta mais calmo, dentro do limite do possível, ela chega perto e coloca um pedaço de pão e um dedal de cerveja para ele. Como se fosse a coisa mais natural do mundo ter uma pessoa de trinta centímetros no meio da sala dentro de uma gaiola. Ligam do trabalho atrás de Carlos, mas a Marie forçando um português diz que ele saiu cedo e não sabe nada dele. Passa uma semana assim, a vida parece quase normal para ambos, ate que um dia Marie saiu a tarde, tipo pela uma como fazia quase todos dias, mas desta vez não volta sozinha. Volta com um homem grande, forte, muito musculoso, de cabelos bem pretos e de pele bronzeada. Carlos protesta da gaiola, mas Marie põe uma toalha por cima da sua residência e acompanha o moço para o quarto. Ela liga o radio bem alto mas Carlos sabe o que esta acontecendo lá dentro. E cada dia ela volta com um homem diferente por um mês. No final deste período Carlos já totalmente apático, sem força nem para protestar mais sobre nada pede para Marie um único favor. Mata-lo, ele não agüenta mais esta humilhação, não tolera mais a vida. Só quer ter uma morte tranqüila, de preferência dormindo. Marie da um sorriso, põe o vestido branco, que ressalta os seus seios lindas e os quadris de moça de ótimas proporções e volta desta vez bem tarde, de madrugada já. Carlos dormia na sua gaiola. Magro, exausto, totalmente cansado de tudo. Na manhã seguinte ele acorda, sente uma coisa estranha, que não sentia a muito tempo, um tempo infinito de agonia. Sentia um travesseiro. Abre os olhos, devagar e percebe que esta na cama. Levanta rápido, olha no espelho e esta de volta ao normal. Grita, pula, salta por toda casa sentindo um alivio, uma dignidade de volta, sentindo-se gente. Corre pela casa toda e acha um bilhete na porta da geladeira que dizia o seguinte:
“my little Carl, agora acabou tudo. Eu perdoar tu. Fiz muito mal contigo no ultimo mês, mas agorra passar toda raiva. Eu achar homem mais melhor que tu. Levei tudo para casa dele noite passada. Tu ser homem livre agora. Amor, Marie Claude.”
E tinha um beijo de batom no fim da carta. Carlos fica ainda mais feliz, grita, salta. Põe uma roupa e vai para o bar mais próximo e pede todas cervejas, vodkas, whiskys que tem no bar. Volta ao trabalho dizendo que tinha estado com pneumonia no ultimo mês e por isso não tinha aparecido. Desculparam ele, mas sera devidamente descontado do ordenado e férias já eram. Para Carlos férias era sinônimo de mau agouro. Queria trabalhar 24, 36, 48 horas por dia 365 dias por ano ate esquecer esta provação que passou. Depois de um tempo indo para um happy hour como fazia antes das férias malditas no Haiti ele cruza com Marie Claude. Ela não vê ele mas ele pede licença aos colegas e se desprende do grupo e segue de longe sua ex-namorada. Anda atrás dela por umas três quadras e vê ela parar na frente de um prédio chique que dizia no letreiro CENTRO DE UMBAMDA PAI TOMÁS. Uma criança esta distribuindo uns panfletos e ele pega um, que diz:
“se marido te trai? Seu sócio esta te roubando? Tratamos e resolvemos tudo de modo seguro. 100% garantido.”
Carlos da uma risada mas ao mesmo tempo sente um frio na espinha, refaz o caminho de volta ao bar que estão os amigos e conhece uma crioula linda, leva ela para sua casa e torçe para que não seja metida com voodoo.

27/10/08
20:21hrs

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