quarta-feira, 16 de junho de 2010

Cilada

Dentro da pior situação de todas é a que me encontro agora. Preso num quarto escuro, com uma mordaça na boca. As algemas nos pulsos machucam a cada movimento mais brusco que eu tento fazer. Faz parte do meu trabalho, eu acho. Detetives estão para todas, e geralmente para as piores mesmo. Ligam a lâmpada presa por um fio no teto e me dão um tapa na cara. Ouço risadas no fundo e não enxergo nada, depois recebo um banho de água gelada para acordar de vez. “escuta aqui rapaz, - me dizem – você vai cantar ou vai esperar ate virar patê?”. Devolvo um sorriso abafado pela mordaça e grito vários palavrões. Recebo o troco, mais porradas na cara e choques elétricos. Nem grito mais, já estou nesta a alguns dias. Eu não sou mole, não vou entregar a rapadura. Meu ganha pão é este. Depois de mais alguns socos na cabeça eles vão embora e me deixam com minha dor e meu sangue escorrendo. Tento cuspir, mas a mordaça não permite. Também não consigo respirar direito, estes caras estão começando a me irritar. Acabo pegando num meio sono, meio desmaio.

Olho o sol nascendo por uma janelinha cheia de poeira que fica a minha direita, como estou no subsolo que é tipo aquelas que se vê na televisão em garagens. Escuto alguns barulhos vindo do lado de fora desta prisão que me encontro, parece um pouco com um esmerilho. Dou um sorriso, vou resistir o Maximo que eu puder. Mas eles não vão fazer nada enquanto eu não falar o nome de quem me mandou aqui. Como disse, estou nessa a alguns bons anos. Na verdade não tão bons assim, mas esta é a única coisa que sei fazer depois que deixei a policia. Fiquei pensando no tenente quando mandei ele tomar no olho do cu, por que ele estava pegando no meu pé demais e sai porta afora só voltando para pegar meu ultimo ordenado. Nunca fui um bom subordinado, receber ordens não é bem comigo. Agora o barulho do esmerilho aumenta e fico só olhando a porta. Olhando é modo de dizer, estou com os dois olhos totalmente inchados de tanto apanhar. A porta abre e a surpresa toma conta de mim. Vejo uma menina de uns dezoito ou no Maximo vinte anos com uma coisa parecida com uma furadeira, mas para cortar em vez de furar. Desta vez eles se superaram, muito bom. Mandar uma loirinha de dezoito anos para me torturar. Mas para minha surpresa ela com este aparelho corta as algemas e me diz “vai, te manda daqui. E diz para o meu pai que estou bem. Quando eu puder ligo para ele”.E é exatamente o que eu faço.

Passo duas semanas na casa da minha namorada, cuidando de mim para que eu fique bom. Ou como ela diz “para que você fique supimpa”, supimpa!!! Eu mereço mesmo. Como me roubaram o celular e quebraram ele todinho quando estava naquela maldita garagem não me preocupei muito com o trabalho por uns tempos. Então quando estava mais ou menos recuperado fui procurar o Dr. Luiz Inácio, para relatar tudo que tinha me ocorrido e o que eu tinha visto e ouvido. Quando cheguei na rua dele, num bairro nobre da cidade, parei na frente do prédio. Prédio com porteiro e câmera de vigilância. Toquei para falar com o porteiro, um negrão grande e forte que impunha o respeito necessário para um prédio daqueles, avisei meu nome e o que eu fazia ali. Esperei uns minutos do lado de fora do portão ate ouvir o BZZZ da porta se abrir. Ele me olhou da cabeça aos esparadrapos colados por todo meu corpo e disse “pode subir, o andar é o oito, o Dr. Inácio esta lhe esperando”. Fiz um sinal de positivo e apertei o botão do elevador. Enquanto esperava fiquei olhando em volta e observando “Rá ali tem uma câmera. Ali tem outra”. Chegou o elevador e entrei nele. Elevador com musiquinha e Dr. Luiz Inácio mora num andar todo, a porta do elevador dava na sala dele.

Quando chego no andar tem uma empregada me esperando na porta, mais uma vez como fora na saguão com o porteiro, ela me olha e pensa “quem sera este Zé todo estropiado que esta aqui?”, mas pede por favor para eu aguardar na sala ate que o Seu Inácio me chame e é o que eu faço pensando com meus botões “eu sou um belo cãozinho adestrado. Espera, senta, pula e agora apanha”. Mas para minha surpresa quando entro na sala quem eu vejo? Quem? Quem? QUEM? Ninguém menos que aquela adorável anjinha loira que me libertou do meu cafofo esperto com surras como café da manhã. Ela me olha e pergunta se estou bem, faço sinal de mais ou menos e pergunto “já acabaram as férias do seu internato?”. Ela com cara indiferente para de olhar para mim e volta a voltar a atenção a televisão de LCD de cinqüenta polegadas zapeando canais na tv a cabo. Ouço me chamarem e como um belo cãozinho adestrado levanto e caminho para a sala do Dr. Luiz Inácio, pensando “corre, pula, deita, finge de morto”. Quando chego na sala do bom Dr., uma sala ampla com cores vivas e um monte de livros caros nas paredes, ele vem e aperta minha mão como quem da esmola a um miserável e gesticula para que eu me sente. E é o que eu faço, esperando o osso. Ele senta e logo levanta dizendo “você não fez nada, seus serviços são uma porcaria. Te mandei atrás da minha filha e você nem me deu UMA noticia. Não te achava nem para saber o que você estava fazendo nestas ultimas semanas. Minha vontade é não pagar nada a você, nem sequer o que combinamos. Realmente lamentável. Vou avisar o Dirceu que você não serve para nada’. Ele colocou a mão numa gaveta e tirou um pacote com os três mil reais que havíamos acertado como preço dos meus préstimos. Gaveta com chave, naturalmente. Peguei o dinheiro e não disse uma única palavra. Levantei e sai pela porta e cruzando a sala disse a meu anjinho loiro “pergunte a seu agente de viagens sobre um destino melhor nas próximas férias”. Recebi um sorriso irônico e voltei ao elevador e aquela musica ambiente.

Passam umas semanas, que fico gentilmente estabelecido na casa da minha namorada que mora com a mãe. Todo dia ouço a velha se queixar de mim, reclama de tudo, que não puxo a descarga quando faço xixi, que deixo a toalha molhada em cima da cama. Que quando ela acorda as dez da manhã não tem mais café preto para ela tomar...enfim, um rosário de apurrinhação. Quando estou bem melhor, já quase sem nenhum curativo no corpo e boa parte dos olhos sem inchaços entro no meu calhambeque e volto ao meu ultimo endereço antes de ficar com Martha. Ou seja aquela garagem imunda que me infligiram as piores coisas que alguém pode sofrer. Já quando entrei na rua notei que era observado pelos vigias deles, mas mesmo assim segui em frente e fui ate a casa. Bati gentilmente na porta e sou atendido por um crioulão que pergunta o que eu quero. Falo que quero falar com o chefe, chefe que devia ter no máximo vinte e cinco anos e estava de chinelos de dedo e camisa de basquete tomando uma latinha de cerveja vendo jogos da copa do mundo. Quando me vê se surpreende. Faço gestos para mostrar que não estou armado e ele me oferece uma cadeira e pergunto “quanto esta o jogo?” e ele me responde “um a zero Suíça, mas a Espanha esta jogando muito daqui a pouco empatam. O que você quer aqui, cara? Esta de palhaçada?” pego uma latinha de cerveja num mini bar logo em frente a televisão e digo “vim dizer o que vocês queriam saber quando da minha ultima visita”. Ele me olha surpreso e atento e digo o nome e endereço do Dr. Luiz Inácio. Ele sorri e aperta minha mão. Agora quem vai virar cãozinho adestrado é o bom doutor e com alguma sorte o negrão da portaria segura esta turma da pesada.

16/06/2010
22:10hrs
Marcelo Riboni.

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