sábado, 22 de maio de 2010

Cobrança

Olhando pela janela do vigésimo andar vejo as pessoas pequenas lá embaixo e penso “quem são estas criaturas?”. Volto a minha atenção para a mesa na minha frente e pego uma folha de papel cheia de rabiscos incompreensíveis, fixo o olhar numa frase “Quanto mais você raciocina menos você cria. RC.” O que isso deve significar eu não sei dizer, não sou do tipo que cria nada alem de problemas, mas tenho meus momentos de poeta as vezes. Me chamo Zé, sou um cara que resolve problemas para os outros, as vezes e muito raramente resolvo os meus. Mas isso é outra historia para ser contada em uma outra oportunidade. Agora acendo um cigarro e pego o telefone ligando para o numero do meu mais novo patrão, Jorge urubu que me contratou para achar uma pessoa que sumiu com valiosos carros roubados que ele vende. Devo explicar que Jorge Urubu não é do tipo que deixa barato problemas assim e para isso ele tem uma turma de barras pesadas como eu para “resolver” os problemas desta natureza que surgem na vida de um vigarista de alto quilate. Falo com uma secretaria que deve ser ex garota de programa e daquelas bem baratinhas que ele gosta de ajudar a se encontrar na vida. Ela passa a ligação para o meu homem e ele me passa um endereço num bairro do outro lado da cidade que devo ir para averiguar se os tais rapazes não andam por lá com a mercadoria dele. E é o que eu faço, pego um ônibus lotado ate o centro e aproveito para passar no mercado publico e pegar aquele famoso presunto que eles fatiam fininho. Saindo dali pego outro ônibus ate a zona norte e no inverno as janelas do ônibus estão todas fechadas e cai na rua aquela garoa que serve só para molhar o piso e encher o saco. Uma hora depois desço na frente de um mercado que haviam me indicado para descer. Paro, olho em volta e entro no mercado para comprar cigarro e bater um papo com o dono e ver se consigo me achar nesta situação toda. Só tem o dono dentro e ele pergunta o que vai ser e eu digo “um maço de cigarro derby e uma nova skin, meu amigo. Estourando de gelada, por favor”. Sento numa mesinha logo na frente enquanto ele vai passando o pano por cima do balcão e fica me olhando com cara de desconfiado. Levanto o copo como que fazendo um brinde para ele que sorri e bebo de um só gole o copo todo seguido de um cigarro. O dono do mercado vem na minha direção e pergunta “meu chapa, nunca te vi por aqui. É novo no bairro?”. Solto uma baforada do cigarro com cara de quem pensa nos filósofos da grécia antiga e respondo “não meu amigo, estou atrás de uns rapazes. Eles mexeram com a pessoa errada e vão se dar mal.” O dono do mercado da os ombros e me pergunta “como você se chama meu chapa?” dou mais uma baforada daquelas que enchem o pulmão e respondo “me chamo par de onças pintadas. Já ouviu falar de mim?” ele da um sorriso contido e diz “claro, são muito meus amigos. Me chamo Chico, muito prazer” e aperta minha mão com certo entusiasmo. Depois disso Chico se senta no banco em frente ao meu e diz “quem são estes rapazes que você esta atrás?” apago o cigarro num cinzeiro imundo daqueles de metal preso por uma corrente e cheio de baganas “se chamam Pedro e Paulo, dizem que andam por estas bandas. Um é alto e moreno, sempre com roupas caras e o outro é bem branco, branco mesmo. Tanto que parece anêmico.” Ele olha para o cinzeiro termina de apagar o meu cigarro mal apagado e diz “no fim da rua de trás, na casa 245. Uma casa toda mal pintada de azul, é lá que mora a namorada de um deles. Estão sempre por lá.” Levanto tomando o ultimo gole da cerveja e passo ao meu bom amigo Chico as duas notas de cinqüenta. Desço a rua e dobro na esquina procurando a rua de trás a que estava. Nisso sinto que estou sendo observado de uma janela. Finjo que não noto nada e sigo meu caminho, nisso um rapaz de cabelo raspado e muito baixinho me da um encontrão e diz “ô tio, tem um cigarro ai?” faço menção de por a mão no bolso para pegar o cigarro e levo uma chave de braço das boas, que vergonha para mim, com toda minha experiência caio neste velho truque. De repente tudo fica preto e sinto um baque surdo. Quando acordo estou todo amarrado numa cadeira em uma sala com pouca mobília e com uma mordaça na boca. Ouço vozes vindo de outro ambiente da casa seguidos por varias gargalhadas. Passo uns minutos estudando o lugar, calmamente sem nenhuma pressa. Já esta escuro na rua quando alguém entra na sala que estou e me da um tapa na cabeça. Levanto o olhar e vejo o rapaz branco, não imaginava que ele existia alguém tão branco assim. Ele senta em uma cadeira de cozinha na minha frente e mostra a boca sem dois dentes da frente quando diz “meu camarada, você esta todo fudido. Se fudeu totalmente, cara”. Dou um sorriso para mostrar indiferença esperando que ele veja através da mordaça. E ele continua “você vai servir de recado para aquele desgraçado do Jorge Urubu, que ele vai se fuder também. Ninguém mexe com nois” ele deve ser o Paulo, deixo ele falar as maneiras que vão me surrar, bater, arrancar meus dentes, dedos etc com toda calma. Quando ele se empolga no assunto me levanto da cadeira com os pés e dou uma cabeçada na barriga dele que o derruba no chão. Depois dou uma bela cadeirada para quebrar a cabeça dele ao meio, o que me ajuda a esmigalhar a cadeira e me ver livre. Deixo ele deitado desmaiado enquanto me livro das cordas que me prendiam e digo para ninguém “deviam ter amarrado os meus pés, babaca” e antes de sair dou um chute na cabeça do corpo caído. Entro num quarto e pego uma arma calibre 38 carregado e sento no escuro depois de prender o branquelo com aquelas cordas de pendurar roupa que doem para caramba se você tenta se soltar e espero. Passam algumas horas e entram na pela porta da frente um o rapaz alto e moreno acompanhado de uma menina que deve ter seus dezoito anos. Quando acendem a luz, dou um boa noite caloroso mostrando bem claramente a arma o que os deixa como se congelados na posição e digo com suavidade “façam o favor de puxar uma cadeira e sentem-se” quando o fazem dou um muito obrigado e também os amarro junto com o outro desmaiado e todo arrebentado. Puxo um cigarro e pego o telefone e ligo para Jorge não sem antes passar pela secretaria e digo que estou com o pacote dele prontinho em fita de presente. Sento num sofá todo manchado de varias coisas e espero por cerca de 40 minutos ate chegar os capangas de Jorge para levar o presente dele que será uma festa para ele, que tem um que de sádico no sangue. Os capangas perguntam se quero uma carona o que muito agradecido aceito, “para aonde?” perguntam já dentro do carro em movimento e eu respondo “quero fugir ao mistério/para aonde fugirei?/ele é a vida e a morte/ó dor, para aonde me irei?”. E olho as casas e prédios passarem pela janela embaçada do carro.

20:27hrs
22/05/2010
Marcelo Riboni

Um comentário:

Lúcia Lasciva disse...

“quero fugir ao mistério/para aonde fugirei?/ele é a vida e a morte/ó dor, para aonde me irei?”


essa pergunta, hj, de ontem, até amanhã, martela meu juízo...