quarta-feira, 28 de abril de 2010

Honra de mãe

“Mãe tem alguem na porta” grita a filha de dentro da sala diminuta, e rapidamente passa uma mulher de trinta e poucos anos para atender. Ela se detem um minuto para rugir para a criança – “vai para teu quarto Shirley, AGORA” e sai para o pátio. Minutos depois entra ela com um acompanhante que fala qualquer coisa sobre a bagunça na sala. Em instantes estão os dois aos beijos ardentes no sofá e o homem diz - “Matilda, pega uma cerveja para mim?” ai Matilda olha emputecida e grita para o homem – “porra Josué vai a merda, não me enche o saco. Busca tu mesmo esta cerveja!!”. Josué a contra gosto se levanta e caminha o curto espaço entre a sala e a cozinha e abre a geladeira e olha para dentro depois olha em volta e fala berra de volta para sala - “PORRA MATILDA TU NÃO TEM PORRA NENHUMA NESTA CASA, OLHA ISSO AQUI. A GELADEIRA ESTA PELADA.”. Matilda entra e fala – “Josué as coisas andam difíceis. Qual é, cara? Vai querer me explorar agora. Te dou um belo pé na bunda malandro.”. Os dois sentam na mesa da cozinha espremida entre a pia e a porta que da para sala e trocam juras de amor por algum tempo e então segue um silencio por uns minutos, a pobreza do lugar não ajudava a inspirar mais juras de amor, e o silencio voltou a reinar no ambiente. Josué faz uma cara seria, olha novamente a penúria do lugar e olha no rosto da mulher e diz – “Matilda, tu merece algo muito melhor que esta merda de casebre. Merece algo melhor para sua filha. Eu mereço um vida melhor que a de mecânico fodido, nós dois trabalhamos para caralho e o que conseguimos? Mais dor de cabeça, mais trabalho e mais incomodo, não é mesmo?” – Matilda olha para o rosto de Josué que parece estar a milhas de distancia daquele casebre na zona norte da cidade e ele continua - “eu conheço uns caras aí Matilda, caras da pesada, que estão querendo fazer umas coisas para ganhar dinheiro, muito dinheiro. Mas eles estão juntando a turma ainda, podemos entrar neste esquema e ganhar uma boa grana e viver um pouco mais decentemente, Matilda”. Pela cara de seriedade de Josué, Matilda ignorou o fato de ela detestar que ele repita vinte vezes o nome dela a cada frase, o que geralmente faz com que tenham as discussões mais idiotas que um casal pode ter e pergunta ao homem – “ Jô, sobre o que tu esta falando. Eu trabalho como faxineira e ganho pouco sim, não tenho estudo, mas ralo pelo meu dinheiro honestamente. Entendo que tu queira uma vida melhor, todos querem isso, ate os que tem muito e não fazem nada, mas fazer coisas fora da lei...não sei jô”. O homem se levanta da mesa e da um beijo na testa da mulher e diz - “deixa comigo, não vai ser nada demais. Vamos nos dar bem, tu vai ver”. Ele levanta e sai pela porta da sala para a rua, acende um cigarro e caminha em direção ao ponto de ônibus, já que o carro dele estava com a lona de freio gasta e ele prefere não arriscar. O ônibus chega e ele apaga o cigarro pela metade para fumar o resto na descida e vai maquinando os problemas da vida.


Uma semana depois Josué volta a casa de Matilda, bate na porta e a criança atende a porta com uma boneca de trapos na mão e diz – “eu te conheço, tu quer ver a minha mãe. Ela não esta, mas já volta”. O homem sorri para criança e pergunta – “posso entrar então?”; a criança faz que sim com a cabeça e ele entra e senta no sofá surrado com um lençol por cima para disfarçar o estado lastimável. A criança senta no chão da sala com a boneca e começa a brincar, como toda criança devia pensa Josué mas a vida é ruim com que mais merece que ela seja boa. Perdido nas idéias Josué nem nota a criança encarando ele quando percebe pergunta – “o que foi menina? Algo errado com minha cara?” e da um sorriso sincero para menina e ela lhe diz “brinca comigo, tio”. Ele senta no chão ao lado da menina e pega uma das bonecas que estavam atiradas num canto e tenta disfarçar as idéias que estão na sua cabeça. A menina entusiasmada nem nota que o homem ali esta longe, longe demais daquela pequena sala. Passam uns trinta minutos e chega Matilda e já na hora grita – “Shirley, já para o seu quarto”. A menina olha com desdém para a mãe e pega a sua boneca preferida, a de trapos, e ruma solenemente para seu cubículo. Matilda da um beijo em Josué e fala – “olha fui buscar cerveja para ti jô”. Ele Poe as latinhas na geladeira e comenta – “Matilda, isso não interessa agora Matilda. Eu andei falando com aqueles caras que te disse. Disse que nós estávamos com eles nos planos. E eles prometeram uma bela fatia do bolo, Matilda”. A mulher olha para o homem um pouco assustada com isso e também um pouco atrapalhada e diz “ Jô tu nem me disse o que eles esta tramando. Calma meu amor, vamos falar”. Josué pega a mão de Matilda e leva ela para a cozinha e começa - “Matilda, tu é uma boa mãe. Estou mentido?”. A mulher faz que sim com a cabeça e ele prossegue – “Matilda, sua filha, a pequena Shirley,merece uma vida melhor não é? Estes caras vão arrumar tudo para nós”. Matilda pega na mão do homem e beija a palma da mão cheia de calombos e com as unhas sujas e ele segue – “Matilda...” – a mulher pensa em dizer que ele repete o nome dela a cada frase, mas se cala – “sabe aquele seu patrão aqui perto?” – Matilda fecha a cara e diz – “sei, o Seu Gomes. O que tem ele?”. “então, Matilda, os camaradas ouviram dizer que este cara, que tem aquela loja de 1.99$ aqui no bairro, ganhou este mês uma nota preta em cigarros do Paraguai em carga, que ele vende como cigarros legítimos, aquele vigarista, e embolsa o lucro todo. Eles querem que tu de um jeito de tirar ele da loja por umas horas para que eles entrem lá e peguem aquele banana que trabalha com ele sozinho e tomem conta do estoque para levar os cigarros. Eu sabia que tu trabalhava na casa dele e dei a dica. Só estava esperando para te falar isso, na ultima vez que falamos já sabia disso, mas precisava pensar melhor. Então o que tu acha? Tu é capaz de dar um jeito nisso? Pensa na sua filha Matilda, pensa só nela”. A mulher levanta da cadeira, anda em circulos na pequena cozinha, pega um copo de água e fala para o homem – “eu preciso pensar nisso Josué”. O homem bate na mesa e diz – “não temos mais tempo, ele já esta com a carga de cigarros. Eles precisam fazer esta mão no Maximo depois de amanha, Matilda. Tem que se decidir agora, não temos mais tempo. Entende. Tu é mãe, acha que sua filha merece brincar com aquelas bonecas todas detonadas, Matilda. Não Matilda, ela não merece, uma criança bonita, esperta, merece muito mais que estas merdas, Matilda”. Relutante Matilda olha em volta de seu pobre casebre e diz – “ok, Josué, ok!”


No dia marcado os homens contatam Matilda no celular e perguntam como vai ser, ela diz com os nervos a flor da pele que vai dar um jeito e combinam tudo para acontecer logo após o almoço. Neste dia Matilda vai ate a casa do Seu Gomes para fazer a faxina, chega cedinho, um pouco antes das oito que é seu habito, e ele logo estranha – “Suely, o que tu esta fazendo aqui tão cedo?”. A mulher engole seco, mais seco que de costume o fato do Seu Gomes sempre errar o nome dela, e nunca fez questão de corrigir ele, um pouco por medo, um pouco por diversão, mas hoje ela não esta no seu normal. E fala – “Seu Gomes, estou com minha filha doente hoje e preciso sair mais cedo, se o senhor não se importa. Pode ser?”. O Seu Gomes olha enfurecido e diz – “Suelen, eu te pago para trabalhar para mim das oito as cinco, tu não aceita descontos no fim do mês no seu salário. Então por que eu deveria aceitar que tu trabalhe a menos num dia como hoje? Na na ni na não” diz ele. E sai para a loja que fica a algumas quadras da casa onde ele mora. Matilda fica a manha inteira maquinando como vai segurar o homem em casa ao meio dia, ainda mais um tirano destes, que não aceita nem que ela saia mais cedo e nem acerta o nome dela mesmo ela trabalhando para ele a mais de um ano, ela passa as horas da manhã arrumando a casa e da de cara com a solução para seu dilema. Acha uma caixa de remédios para dormir e poe no bolso da saia e vai fazendo seu trabalho. Ao meio dia Seu Gomes chega para o almoço e ainda comenta que o cheiro da comida esta uma delicia ao que ela retorna dizendo – “Seu Gomes fiz seu prato favorito. Bife acebolado com batatas fritas, a minha moda” diz ela com um que de maldade na voz. Seu Gomes senta na mesa e devora o bife com todas as batatas que vê na frente. Toma um copo de água gelada e vai ouvir radio na sala, senta um pouco no sofá e cai em sono profundo rapidamente. Olhando da cozinha ela vê o velho dormindo e liga para os homens e avisa que a barra esta limpa. Matilda ansiosa passa as horas em um pé na sala de olho no velho dormindo e outro ao lado do celular esperando a resposta dos homens. As três da tarde o velho Gomes acorda sobressaltado e pergunta a Matilda o que tinha havido ao que ela diz “o senhor caiu no sono no sofá Seu Gomes e dormiu ate agora”, ele vai rapidamente tomar um copo de água na cozinha e ruma para sua lojinha ali perto. Matilda termina o trabalho na casa do homem e volta para casa ansiosa com tudo o que houve naquele dia. Chegando em casa vê a filha Shirley brincando no pátio da frente e fica mais tranqüila. Abre o portão e da um beijo na testa da filha, e quando entra em casa toma um choque. Estão Josué e mais três homens grandes e fortes na cozinha tomando café, devem ser os amigos que Josué tinha falado. Ela entra Josué tenta falar mas se detem e ela não percebe nada, Matilda abre a geladeira e pega um copo de água nervosa quando serve a água um dos homens fala – “tudo bem Matilda? Pode beber a água, depois vamos para o distrito. Não vai tomar água gelada por um bom tempo. E tu ainda por cima é mãe de uma criança daquelas ali fora, devia ter vergonha na cara.” E eles poe as algemas nela e vão para a delegacia.


28/04/2010
19:47hrs
Marcelo Riboni

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