sábado, 3 de abril de 2010

Noite Estranha

Abrindo os olhos, saindo da nevoa da noite passada sinto as dores de tudo o que houve no dia anterior. O relógio se movimenta lentamente no seu ritmo, seguindo seu caminho do dia a dia. Corro para o banheiro e vomito ainda no chão, errando o vaso, sujando todo meu pequeno toalete. Vomito a alma e tudo mais que tenho dentro nesta hora, sento numa parte do piso que não foi sujo e respiro com alguma dificuldade. Passo a mão na boca para me limpar e sinto que estão faltando dentes. Me levanto e olho o espelho, vejo meu rosto desfigurado, todo marcado por pancadas e outras maldades. Volto para diminuta sala e deito no sofá que faz as vezes de cama. Aqui não tem televisão, nem radio, nem cama, nem nada. Só uma cozinha com uma panela suja de miojo, um par de talheres e um copo daqueles que vem como pote de requeijão. O que tem são muitas garrafas de vodka ordinária vazias pelo chão e muitas baganas de cigarro espalhadas por todo a apartamento. Pego uma camisa velha e tento limpar minimamente o banheiro quando tocam a campanhia. Jogo a camisa imunda num canto e vou ate a porta, olho pelo olho mágico por uns instantes e vejo um sujeito alto, bem arrumando fumando calmamente um cigarro que parece um John Players Special, coisa que não vejo há muito tempo. Sera que ainda fabricam isso, me pergunto. Abro um pouco a porta e pergunto - pois não?. O sujeito me olha com cara de superior, com um sorriso afetado, ajeitando os cabelos negros e diz - Juca, tudo bem? Posso entrar um instante?. Olho meio sem saber o que dizer e penso por uns instantes, o sujeito nota minha atrapalhação e fala com desdém - não lembra de mim, não é mesmo? - e vai empurrando a porta e entrando e continua – sua festa de ontem foi daquelas, meu amigo. De onde surgiram aquelas pessoas que estavam aqui, só Deus sabe, mas elas eram legais da forma delas. – em silencio fico vendo o rapaz passar em revista o que se pode ver da sala, quando ele me olha de soslaio e pergunta – lembra que te dei uma bolsa, com coisas importantes dentro, pois então estou aqui para pegar ela. – congelo no meu lugar, pensando o que eu poderia ter feito ontem que não lembro de nada, ainda mais com uma bolsa, segundo percebo com coisas importantes dentro. Passam alguns momentos de silencio e pergunto – como tu te chama mesmo, meu amigo? – ele sorri e diz – JH, isso vai bastar para sua memória se avivar. – viro a cabeça e finjo procurar por algo, olho em volta e digo – sinto muito, camarada, não sei aonde esta sua bolsa. – ele da uma gargalhada que quase beira a histeria – tu sabe que não é assim, sei que sua bebedeira estava demais ontem. Mas mesmo assim preciso pegar aquela bolsa. Se não estiver com ela daqui a três horas vai haver sofrimento, capisce gringo? – dou um sorriso e respondo – não sou gringo meu irmão – ele vai em direção a porta e diz – gringo ou não, se não estiver com a bolsa as duas da tarde...bom...- e faz aquele gesto de degola e sai batendo a porta.

Termino de limpar o banheiro minimamente com a camisa que usava de pijama quando toca meu celular e deixo tocar, passo um tempo pensando naquela visita sinistra, maquinando sobre o que houve ontem que não lembro de nada, só lembro de ter dado uma festinha para alguns amigos que trouxeram pouca bebida para variar e que tive que descer ate a loja de conveniências para comprar mais e daí quando voltei tinham mais garotas, mais caras e mais MUITO mais bebida. Sentei para conversar com uma cara com uma tatuagem de uma moça no braço quando a bebida bateu de verdade, não lembro agora se a garota da tatuagem era a mãe, a irmã, a namorada ou quem quer que seja só sei que agora tem esta historia de bolsa que nunca vi na minha frente. Chego na sala e acho meu maço de cigarros amassado num canto escondido para não ser roubado e acendo um bem tranqüilo quando pego o celular e olho quem me ligou. Numero desconhecido, ligo de volta e recebo a pergunta – quem fala? – e de imediato respondo – quem fala ai, ligaram para mim deste numero. – alguns segundos de silencio e recebo a resposta – ah é tu gringo, sou eu o Carequinha, como tu esta agora? Ontem foi de arromba, não é mesmo? Grande noite a de ontem...hahaha...- sem saber o que dizer concordo timidamente e em seguida pergunto – tu viu alguma bolsa, sacola ou mala comigo chefe? – espírito preparado para o pior enquanto aguardo a resposta que vem depois de um suspiro – gringo, esquece aquilo. Tu não vai querer saber de sacola nenhuma mais, já pegou sua parte. Agora deixa a bronca com a gente. Como disse, deixa isso para lá, OK? – penso alguns instantes se devo ou não dizer e decido que sim – veio aqui um JH perguntar por ela, sabe, e não sei quem é ele. Estou preocupado um pouco com isso tudo. Me entende? – o sujeito ri alto, alto demais ate e fala serio-brincando – gringo, tu já levou sua parte do negocio. Como tu esta de pé agora é um mistério quase te apagaram ontem mas tu estava a milhão. Bêbado para caralho e não parava de falar. Só queria vender aquela porra de bolsa. Agora quer ela de volta, tu deve estar doido gringo. A gente se fala, ate mais ver. – e desliga o telefone na minha cara, ligo de volta e cai na caixa postal. So resta esperar o pior. E torcer que o pior não seja para mim, mas tenho a impressão que será. Olho para o cigarro que já apagou na minha mão e jogo ele num canto com outras baganas. Me arrumo um pouco e bebo uma café instantâneo e bato na casa da vizinha, minha amiga Jane, para tentar me lembrar do que houve a partir da hora que perdi a noção. E é o que eu faço. Toco a campanhia e ela atende de camisetão e chinelos de bichinho, daqueles de pelúcia limpando os olhos enquanto abre a porta e digo – tudo bem Jane, estou com um probleminha. Se tu puder me ajudar será muito legal. – ela gesticula para eu entrar e senta num sofá todo fudido como os apartamentos deste prédio, quem pode se muda, quem não pode fica no meio desta imundice. Ela se atira no sofá e acendo um cigarro e me oferece, coisa que recuso, odeio a marca que ela fuma e diz – bah Juca, ontem tu pirou o cabeção. Ate disse que ia me comer, me assustei um pouco. – sento no chão e peço desculpas e ela continua – o que houve com sua cara, parece que tu tomou uma surra daquelas. Deixa eu ver sua cara... – ela se aproxima para ver melhor e eu digo – parece que peguei uma bolsa, e acho que vendi, ou algo assim...- suspiro – mas agora estou precisando dela. E não sei o que fazer, me ajuda Jane. – ela volta ao sofá e diz – no que eu puder, querido. –


Olho o relógio, quinze para as duas, faltam alguns minutos ate o tal JH chegar segundo ele disse. Espero pacientemente fumando um cigarro e brincando com o Maximo de atenção que posso num jogo daqueles de celular, quando toca a capanhia pela segunda vez hoje e tremo na base, me levanto rápido e abro a porta. O tal JH chega com mais dois caras grandes e quando digo grandes são grandes mesmo que estão colados a cada ombro de JH. Ele entra sorrindo um sorriso artificial e pergunta – cadê a bolsa, gringo? Vai dizer que não tem ela? – abro os braços em desconsolo e os grandões começam a fazer cara de poucos amigos para mim, que estou só neste apartamento horrível e sem nada dentro.o JH diz – quando eu der a ordem vocês começam a trabalhar, não antes. OK, rapazes? – ele vem e se senta no sofá ao meu lado. Passa as mãos no cabelo e como aqueles italianos dos filmes de máfia antigos, ajeita a roupa que era para ser um terno, mas de tão surrado chamar de terno seria um considerável elogio a roupa. JH da um sorriso e começa a falar, devagar e eu diria quase com carinho – gringo, eu vim parar no seu apartamento por que um amigo me disse que tinha uma festa com bebida a vontade e mulheres bonitas, não sou de negar nem bebida nem garotas, e então vim para cá com um pouco de pressa. Estava resolvendo uns negócios e me pegaram meio de surpresa. Acabei me perdendo nas conversas e quando vi tu estava saindo porta afora com minha sacola. Ou seja ti me ROUBOU, gringo, entendeu ROU-BOU. E me diz o que merecem ladroenzinhos como tu, seu chinelão? Merecem apanhar,gringo, mas isso já te fizeram, tu esta com a cara mais amassada que opala de negao e o que tinha dentro daquela bolsa vale mais que sua vida inútil, tu tem cara de quem não consegue emprego nem de gari. Tudo o que tu pode me dar em troca daquela bolsa é sua vida, e seria um preço que para mim é indiferente, pois tu não vale nada nem para sua mãe aposto. Então como resolvemos isso, gringo? Acho que vou deixar meus amigos aqui tomarem conta de ti ate tu virar caldo de cana. O que vocês acham amigos? – e se vira para os rapazes “minúsculos” atrás dele que apenas sorriem e um diz logo depois – esse mirradinho não dura dez minutos com a gente dando pressão nele, chefe – e os dois gargalham. JH faz sinal de silencio e eles imediatamente fecham a matraca. JH olha em torno de si e pragueja – porra gringo, uma pena. Sua festa estava ótima. Odeio que as coisas acabem assim, podíamos dar outras festas como aquela juntos. Mas para ti chegou o fim da linha...rapazes – diz ele fazendo sinal para os grandões avançarem quando toca a campanhia e eles congelam e voltam atrás que nem fita de vídeo cassete. Me levanto rapidamente e vou em, direção a porta lentamente, bem devagar mesmo e quando abro os três levam um susto, parece aqueles momentos maravilhosos que valem uma foto. Aparece Jane a o Carequinha com a merda da bolsa cheia de cocaína nas mãos. Os olhos brilham, todos prendem a respiração e eu tenho vontade de chorar. JH pega a bolsa e sai dizendo – gringo, tu te safou na batida do gongo. – ficamos Jane, Carequinha e eu na sala. Quando pergunto a ela – Tu achou ele, como conseguiu pegar a bolsa? – ela sorri, passa a mão no meu rosto inchado e sem alguns dentes na boca e diz – charme de mulher Juca. Tu não entende mesmo. – sorrio para ela quando ela sai batendo a porta. Cada um tem a mulher que precisa na vida, sento num canto da sala e acendo um cigarro e sorrio maliciosamente deixando os pensamentos voarem livres como passarinhos.

31/03/2010
23:03hrs
Marcelo Riboni

Nenhum comentário: